12 de novembro de 2007

ENTREVISTA CACO BARCELLOS


No segundo ano de faculdade tive aulas de História do Jornalismo, e como uma das formas de avaliação estava uma entrevista, que eu teria que fazer com alguma personalidade do jornalismo brasileiro. E na hora já me veio a imagem de Caco Barcellos. Havia lido seu livro Rota 66 há pouco tempo e isso me despertou o interesse por saber mais sobre a forma como ele foi escrito entre outras coisas que você vê a seguir na entrevista que fiz com Barcellos.
Pelo fato da entrevista ter sido grande irei dividi-la em algumas partes. Segue também antes da entrevista uma pequena biografia.
Nasceu na periferia de Porto Alegre, na Vila São José do Murialdo, onde desde menino testemunhou a brutalidade policial que ainda domina alguns setores da corporação. Foi taxista e mais uma porção de coisas antes de se tornar repórter. Começou no jornalismo como repórter do jornal Folha da Manhã, do grupo gaúcho Caldas Júnior. Teve atuação destacada nos veículos da imprensa alternativa dos anos 1970. Foi um dos criadores da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre e da antiga revista Versus, que apresentava grandes reportagens sobre a América Latina.
Antes de trabalhar para a
Rede Globo, foi repórter dos maiores jornais do Brasil e das revistas de informação semanal IstoÉ e Veja. Ainda quando trabalhava no jornalismo impresso, no fim dos anos 1970, foi correspondente internacional em Nova Iorque. Também atuou como correspondente, de 2001 a 2004, em Londres e em Paris, para a TV Globo, período em que recebeu por duas vezes o Prêmio de Melhor Correspondente, promovido pelo site Comunique-se. O júri foi formado por 60 mil jornalistas, que fizeram a escolha por meio de voto livre pela internet.
É um dos repórteres mais famosos da
televisão brasileira, com vinte anos de atuação no Globo Repórter e no Jornal Nacional. Durante seis anos apresentou um programa semanal na Globo News. E, em 2006, criou a série dominical Profissão Repórter, onde coordena um grupo de jornalistas em início de carreira.
SEGUE A ENTREVISTA ABAIXO
F.R: Qual foi seu primeiro emprego na área jornalística?
C.B: Primeiro emprego na vida?

F.R: Primeiro emprego na área jornalística.
C.B: Bom eu trabalhava, eu fazia um jornal hippie que a gente vendia de mão em mão, ai um dia um jornalista comprou, um jornalista da cidade onde eu morava, Porto Alegre, comprou o jornal e adorou o jornal gostou muito e convidou os repórteres dessa comunidade hippie pra fazer uma experiência, um estágio no jornal onde ele trabalhava e que estava passando por um processo de reformulação, um jornal conservador que queria ganhar um público jovem então eles estavam com um plano de formar uma equipe nova, ai fui lá junto com meus amigos tal, ficamos e começamos a trabalhar. Jornal chamado Folha da Manhã de Porto Alegre.

F.R: E onde você se formou como jornalista?
C.B: Foi na Puc do Rio Grande do Sul, depois de ter feito quase três anos de Ciências Exatas, eu queria fazer a faculdade de Engenharia, acabei fazendo a faculdade de Matemática por mais de três anos porque as cadeiras eram comuns e eu pretendia mudar para Engenharia, mas ao invés de mudar para Engenharia eu mudei para Jornalismo. Claro que as cadeiras não eram comuns, eu aproveitei apenas meia dúzia delas.

F.R: Mas o que você fez você mudar...
C.B: Foi essa paixão pela reportagem mesmo, quando eu cheguei nesse jornal, já na comunidade hippie eu já tinha me apaixonado pelo trabalho de rua, pela reportagem e adorava escrever também desde criança embora não soubesse escrever e não tivesse nenhuma referência na família de escritor ou jornalista, mas eu gostava de escrever assim por minha conta e aí quando surgiu essa oportunidade de escrever que era uma paixão que eu já tinha e profissionalmente ganhando dinheiro, claro que eu adorei mais ainda.

F.R: Qual que é a sua opinião sobre a faculdade no papel da formação?
C.B: Eu não tenho muita informação pra te passar, eu faço muitas palestras, as pessoas convidam então a informação que eu tenho é essa do retorno das palestras, eu gosto muito da participação dos estudantes nas palestras. Eu tenho uma experiência aqui na Globo também que todo ano abre uma espécie de concurso para você chegar aqui e virar repórter, ano passado foram 9.500 estudantes, eu converso muito com eles e alguns deles passam a trabalhar com a gente. A Nádia uma amiga nossa fez esse curso e agora eu to trabalhando com um grupo seis deles, eu fico impressionado com a capacidade com o preparo das novas gerações, mas evidentemente que eu tenha uma visão meio deformada por conta de que chega aqui na TV Globo um grupo que já passou por uma seleção de 9.000 então fica a fina flor que chega né. Por isso não sei se a avaliação é correta, mas sem dúvida é uma geração muita bem preparada em relação ao que éramos no passado, que a minha geração sem dúvida, pessoas que falam mais de um idioma quando não três idiomas, muitos bem informados sobre os acontecimentos no mundo inteiro e que sabem também mexer em vários veículos ao mesmo tempo, gente que sabe editar, narrar, apresentar, tem jovens que chegam Tv já prontos pra ir pra frente do vídeo, mas repito talvez eu esteja com uma visão de quem está em um veículo que é muito desejado, cobiçado e por isso pode selecionar muito bem, talvez no conjunto essas faculdades não estejam todas indo com profissionais com a devida substância, conteúdo, me parece que há muitas universidades que são apenas caça níquel que querem somente ganhar dinheiro e não formar pessoas como deveriam.

F.R: Qual foi o ano em que você conclui sua faculdade?
C.B: Foi em 1975 que eu me formei, eu já estava trabalhando desde setenta e dois, eu trabalhei fazendo faculdade, estagiando e depois até contratado já, depois de seis meses eu fui contratado. Então eu fiz dois anos de faculdade e trabalho, por isso eu aprendi muito na rua, mais do que na faculdade, até porque meus professores eles facilitavam muito, às vezes eu tinha que viajar, fazer uma reportagem e eles consideravam que a minha reportagem seria a prova do mês.

F.R: Quando foi que você se sentiu jornalista, que você disse: Agora eu sou um jornalista.
C.B: Acho que até hoje eu não me sinto (risos). Eu lembro uma vez que eu cheguei na redação reclamando que não tinha credencial e o pessoal tiro um sarro da minha cara, porque eu levei um pau da polícia, tava na rua lá, cobrindo um racha de boy, sabe esses agroboys que pegam o carro pra virar arma e depois viram instrumento de conquista de mulheres e era a inauguração de um túnel e eu estava lá mostrando tudo aquilo, a polícia chegou prendeu todo mundo e me prendeu junto e ai eu queria que soubessem que eu era jornalista né (risos). Eu lembro que me puseram no camburão, no chiqueirinho do camburão e eu fiquei por baixo e puseram uns dez em cima de mim, puta aquele, (nesse momento ele ia dizer do cheiro) agüentando o peso de todo mundo, não dava pra respirar dentro Meu Deus eu sou repórter porque que eu to aqui apanhando como se fosse... (risos). Mas faz parte, e ai foi à primeira vez que eu, na verdade, eu dei uma bronca na redação nem credencial a gente tinha, mas eu não sei se isso tem a ver com a relação de me sentir que era jornalista talvez tenha sido o momento que eu desejei que fosse visto como, pra não levar uma surra.

F.R: Quais são os pontos que você considera mais importantes na sua carreira?
C.B: Eu gosto muito dessa primeira fase nesse jornal, Folha da Manhã porque a gente estava trabalhando durante a ditadura militar então quase tudo que era matéria representava um desafio porque eu mexia já com violência desde o começo e para denunciar crimes de tortura praticados pelos militares então com alto risco de ser preso, ser torturado. Houve uma vez que os delegados me chamaram porque a minha matéria contava coisas que eles não gostaram, informações que eu tinha obtido meio por baixo do pano e eles me chamaram lá. “Ó ta pensando o que? Não é assim não, se fica fingindo ai que você microônibus e você ta aqui com velocidade de avião, TEM UMA MÁQUINA AQUI EM CIMA QUE SEGURA ESSA VELOCIDADE BEM RAPIDINHO”.
Ameaças mesmo de ser preso, torturado e esse jornal pelo fato de me ensinar a conviver, praticar jornalismo com altos riscos, com altos obstáculos, por exemplo, a gente saia pra rua para apurar uma informação de um seqüestro praticado por eles e nunca conseguia uma informação confirmada ou sequer o nome da vitima, nem era vítima no caso, eram os opositores do regime a gente tinha que a fazer matéria com informações zero das autoridades, e esses jornalistas, os primeiros com quem eu convivi me ensinara esse passo a passo né, a situação de risco, de dificuldade então pra mim né inesquecível. Eu lembro que uma vez eu voltei pra redação e o chefe de reportagem perguntou se tava tudo ok, se tinha dado certo e eu disse: -Não, fracassei.
- Porque que você fracassou?
- Ah porque eu cheguei lá na central de polícia, bati na sala do delegado, dos investigadores, fui pra outra delegacia do lado. Tentei umas dez pessoas.
- Você tentou com dez?
-É.
- Mas quantas pessoas trabalham lá?
- Eu não sei nunca contei, mas dez pessoas você tentou?
- Foi
- E você acha muito? Pelo que eu sei o prédio tem cinco andares com mais de 100 portas cada um, você tem dez e acha que foi um fracasso?
- Pode voltar.

E ai eu lembro que eu bati nos cinco andares, ouvi mais de cem nãos, gente batendo porta, gente empurrando ai quando eu voltei, mais derrotado que antes. Você não acredita, eu fiquei meia hora contando para ele, as derrotas, ai ele me disse: “Agora você tem uma grande matéria, se mais de cem pessoas disseram não, te empurraram, bateram porta, chutaram e tal, fecharam janela, se tudo isso aconteceu; é porque isso tem algo de muito importante que eles querem esconder, se você contar toda essa trajetória você tem uma coisa sensacional ai. Então eu fui lá e escrevi uma página inteira com mil coisas para contar. Esse é um exemplo de coisas que eu aprendi com eles que eu jamais esqueci”.

F.R: Como foi ser jornalista na época da ditadura?
C.B: Todo mundo era ameaçado, alguns mais alguns menos, o meu caso foi acima, uma coisa de pressão na cidade onde eu morava que era Porto Alegre, mas chegou a casos extremos como o do Vladimir Herzog e tem vários ai que foram pegos na época e não parava só na prisão né, a pressão continuava nas redações com os donos que pediam a sua cabeça quando você escrevia coisas que eles não gostavam. Agora eu acho que nessas situações de adversidade você acaba crescendo, você acumula na área artística, na música, grandes obras que foram feitas nesse período, grandes livros escritos e eu acho que o jornalismo acaba tirando disso boas lições, no exercício sobre tudo do jornalismo investigativo. Eu acho que isso te força a desviar das barreiras, dos obstáculos e a entender, por exemplo, que mesmo quando fontes oficiais não falam a sua reportagem pode ser tão boa ou até melhor feita com base única e exclusivamente de fontes não oficiais. Por outro lado pode falar e falar muito e trazer a verdade através de uma maneira mais contundente do que aquela dividida com as autoridades, praticar o jornalismo ignorando a existência da autoridade também pode ser interessante. Nesse caso a gente não ignorava era obrigado a desviar deles para fazer, a pular os muros por força das circunstâncias que era imposta por eles, é nosso dever sempre ouvir todos os lados, mas quando alguns se negam, a gente não pode só por isso desistir.

F.R: Como foi fazer o Rota 66 e o Abusado?
C.B: Quando eu decidi fazer o Rota eu estava em crise na profissão, achava que era um assunto muito grave que precisava ser denunciado de alguma forma, e então eu penso assim se eu continuar vendo episódios assim, aqueles tiroteios seguidos de morte e simplesmente registrar a verdade entre aspas que era divulgada pelo comando da polícia militar não tem sentido trabalhar assim, eu sabia porque a experiência mostrava que bastava você apurar um pouquinho pra desmontar completamente a versão oficial. Eu tinha convicção de que eram mentirosas aquelas versões ou eu faço um livro que prove isso ou um trabalho que prove esta mentira ela é fabricada, é institucional ou eu desisto de trabalhar nessa área pelo menos ou pra outra área do jornalismo porque isso é desmoralizante. O Rota foi pra mim muito importante no plano pessoal meu particular de grande importância pra mim como se fosse assim, meu desafio aqui ou eu provo esse negócio ou eu desisto. Eu acho que eu consegui provar que as versões eram mentirosas então pra mim representou uma realização no plano pessoal e particular agora se teve relevância maior do que essa do plano pessoal o editor evidentemente que tem que dizer, eu acho que ele ajudou, contribuiu para mudar pelo menos a lei, a lei equacionada com a investigação desses crimes, o julgamento desses crimes até então eram julgados pelo fórum especial da polícia militar e não pelo fórum democrático que são o corpo de júri, como acontece quando um civil é envolvido num crime de morte acho que talvez tenha contribuído pra mudança da lei que eu já acho uma coisa muito legal. Mas como eu estava imbuído dessa necessidade de provar e tentei então pela loucura de tentar identificar todo mundo e aí acabou me envolvendo todo esse tempo. Muito também porque eu trabalhava já na televisão e não dispunha de todo o tempo do mundo para me dedicar só ao livro, talvez se fosse só o livro não demorasse sete anos talvez metade claro, mas de qualquer maneira era um desafio grande de identificar todas as pessoas que a polícia matou para poder conhecê-los.

O Abusado já foi uma coisa diferente eu talvez uma coisa incomum que esteja no tema, tema que diz respeito ao cotidiano das pessoas acontece toda hora a todo o momento, mas pouca gente se detém a entender ou fazer um mergulho em uma história para tentar saber porque é que isso está acontecendo. Talvez um terceiro livro que eu poderia fazer é sobre os homicídios ou sobre congestionamento em São Paulo, que diz respeito à vida de todo mundo, mas parece que a gente aceita que isso seja normal que mate todos os dias 4 ou 5 jovens e ninguém pensa porque é que só mata jovem pobre, negro, porque é que não mata os jovem das elites, porque não matam os empresários que as vezes são envolvidos em roubos e fraudes, que causam grandes prejuízos públicos? Porque não matam os banqueiros? É sempre o mesmo segmento social que morre, acho que são perguntas que a gente tem que se fazer em todo o tempo. E no Abusado também eu acho que o tema da droga diz respeito ao cotidiano de todos os segmentos sociais.