19 de dezembro de 2007

ENTREVISTA ÉDER CHIODETTO


Formado em jornalismo pelo Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do Campo, São Paulo (1992) e pós-graduado na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Foi assistente do fotógrafo Araquém Alcântara (1986-1989) e repórter fotográfico do jornal Folha da Tarde (1991-1994). Trabalhou de 1991 a 2004 no jornal Folha de São Paulo, do qual foi editor assistente, editor adjunto e editor de fotografia (2001-2004). Escreve sobre fotografia para o caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo e para revistas como Fotosite e Vogue. Atua na área de fotografia como autor, crítico e curador de exposições. É membro do Conselho Consultivo de Artes Plásticas do Museu de Arte Moderna de São Paulo e organizador da coleção Foto Portátil, editada pela Cosac&Naify. Foi um dos vencedores do Prêmio Jabuti em 2004 com o livro O lugar do escritor, de sua autoria.


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F.R: Há mais de cem anos nos jornais, a fotografia ganhou um grande espaço dentro dos jornais e revistas, para você qual a maior dificuldade em se fazer fotojornalismo atualmente?
E.C: Bom atualmente a grande dificuldade em fazer jornalismo impresso e fotojornalismo é a grande concorrência que a gente tem com espaço publicitário. As empresas, isso mundialmente falando, após o impacto que elas sofreram com a entrada da Internet.
Eu vejo que o jornalismo impresso passa por uma crise muito grande do qual ainda não conseguiu se resolver, e essa crise têm determinado o enxugamento da quantidade do papel, por outro lado usar papel é cada vez menos politicamente correto por causa das questões do meio ambiente e esse xadrez todo acabou reduzindo muito a quantidade de papel e aumentou muito a quantidade de publicidades para poder manter essas publicações. Então o espaço da reportagem no geral e da fotoreportagem em específico ficou muito restrito. Hoje em dia a gente tem que fazer matérias grandes, complexas e às vezes resumir isso tudo em apenas uma foto, o que é bastante difícil para não dizer impossível.

F.R: E pra você qual a maior qualidade que um fotógrafo jornalístico precisa ter?
E.C: Conseguir sair do jornal e ter uma carreira própria rs. Nada desanimador pra quem ta na faculdade. Para o fotojornalista ter carreira própria você diz?

F.R: O que ele precisa ter para se sobressair nesse mercado que creio eu tem crescido bastante.
E.C: Exatamente, justamente por ter crescido pra alguém conseguir aparecer no mercado precisa ter um trabalho bastante original, de qualidade, então os fotojornalistas têm que parar cada vez mais de ter aquela atitude passiva que historicamente eles tiveram na redação de esperar o repórter de texto pautar e ter histórias próprias para contar, porque hoje em dia qualquer amador ta com uma câmera na mão. Está andando pela e o celular fotografa, o brinco fotografa, o chaveiro fotografa. Por exemplo, esse acidente que houve agora, o avião que caiu no bairro da Casa Verde, antes dos repórteres chegarem, todos os vizinhos já tinham filmado no celular. As imagens que a gente viu são todas de celular, tanto filme quanto foto, então hoje em dia o acaso, o acidente, o inesperado ele é sempre de domínio do amador, é o amador que vai fazer e não adianta chegar lá o Sebastião Salgado uma hora depois que a foto dele não vai ser melhor do que a do amador que pegou ali o fogo do avião, as pessoas gritando; e isso para o jornalismo é muito mais importante, não adianta o Salgado chegar lá uma hora depois fazer uma grande foto que não vai ter o calor que tinha a foto do amador. Então essa foto do acidente, do casual; a única coisa que a gente pode fazer é abandonar mesmo essa coisa de ficar correndo atrás das notícias na cidade e contar histórias em profundidade, histórias com uma narrativa, que seja fruto de uma pesquisa e de uma investigação mais demorada e ai sim você contar uma história em longa-metragem, ou seja, eu acho que o caminho do fotojornalista é pensar em ser um fotodocumentarista cada vez mais.
F.R: O papel da fotografia no fotojornalismo é o de transmitir informação. Você acha que existe uma linha tênue entre a informação e o fotojornalismo? Quando ela deve ser publicada ou deletada?
E.C: É ai teria que estudar caso a caso, não dá pra falar de uma forma genérica o que deve ser publicado ou não até porque cada veículo tem um público alvo que vai se chocar com alguma coisa ou vai se chocar com outra, por exemplo, quando existia o Notícias Populares essa modulação era bem mais flexível, o público que comprava ali queria ver sangue, se tivesse um assassinato ele queria ver a foto o mais crua possível que já não é a foto que a gente vai publicar na Folha no estado ou sei lá no New York Times. O limite tênue na verdade existe o tempo todo entre o bom e o mau gosto eu prefiro acreditar, você falou que a função do fotojornalismo é passar informação, é claro que a gente não pode confundir informação com a idéia de uma verdade absoluta sobre os fatos, porque a gente reportando seja em texto, seja em imagem a gente ta sempre fazendo uma interpretação do assunto e toda interpretação ela é passível de cacoetes ideológicos e estéticos que o repórter tem, acho que é por ai.

F.R: Você acha que hoje em dia existe por parte dos jornais e das revistas manipulação de algumas fotos, a gente sabe que hoje em dia com o photoshop é possível fazer tudo, e qual você acha que é o papel do photoshop na fotografia?
E.C: Olha a fotografia em si desde que ela existe desde 1839 quando ela foi inventada, ela é uma linguagem que ela é manipulação pura o tempo todo. Eu diria que não existe uma foto mais verdadeira de uma menos verdadeira, acho que toda a fotografia ela tende a ser uma versão do mundo real, uma interpretação do mundo real e, portanto uma manipulação da idéia de real. Porque se eu faço um retrato teu ai onde você está agora, as pessoas nunca vão ter idéia do que você está fazendo, está no telefone com alguém e ta falando o que? Sobre o que? Não é? As pessoas não vão saber através da foto que temperatura estava ai, os sons que você está ouvindo, ou seja, uma fotografia ela é sempre muito aquém do real e é por isso que o photoshop é apenas uma ferramenta que tornou mais fácil alterar o conteúdo da imagem, mas a imagem ela já tem seu conteúdo alterado desde que ela existe. Quando eu entrei na Folha por exemplo eu fui fazer uma pesquisa nos arquivos de fotos de esporte publicadas ali na década de 60, e sempre teve aquela estigma de que a boa foto de futebol tinha que ter a bola né? E ai eu cansei de ver fotos que tinham uma bola recortada de uma outra foto, recortada assim com tesoura e colada com cola na outra foto, né? Que era um processo onde você não percebia esse volume que essa colagem dava, desde as manipulações mais grosseiras e a gente tem Stálin, no qual ele mandava apagar os desafetos das fotos, essas coisas mais clássicas assim que ai é uma manipulação mais grosseira, mas a gente tem que pensar o tempo todo que a partir do momento que eu ponho uma grande angular, por exemplo, ou uma tela objetiva eu já estou alterando totalmente a perspectiva né, a minha relação entre eu e você que eu estou retratando está toda alterada já. Então a fotografia não carrega o real e a gente tem que se livrar cada vez mais desse conceito, é que justamente no fotojornalismo por a fotografia ser considerada como um documento essa idéia de que ela carrega o real ela é importantíssima para dar veracidade ao que o jornal ta falando, mas é pura balela no fim, porque na verdade o que a gente vê ali é um vestígio do que foi a coisa.

F.R: No mercado brasileiro faltam profissionais qualificados ou dispomos de bons fotógrafos?
E.C: Eu acho que a gente dispõe de muitos veículos desqualificados. Eu acho que o Brasil particularmente é um país que tem fotógrafos muito bons, muito talentosos e não é a toa que a fotografia documental, tanto a documental quanto a artística brasileira ta ganhando mercado fora do Brasil, os nossos principais fotógrafos estão sendo convidados para as principais exposições do mundo, eu acho que o nosso problema não é a qualidade dos fotógrafos não, acho que o nosso problema é realmente o comprometimento dos veículos de imprensa com a questão da publicidade que impossibilita a gente de publicar bem. Agora cada vez mais o espaço está sendo a Internet, os fotógrafos estão fazendo seus blogs, publicando suas reportagens e é ali que eu vejo que a coisa vai acontecer daqui pra frente.

F.R: Você vê alternativa para o fotojornalismo agora com o espaço tão reduzido em função das publicidades?
E.C: Por enquanto não, eu to vendo o fotojornalismo cada vez mais como a prima pobre da publicidade dentro do espaço editorial de jornais e revistas, o espaço que ele tem encontrado é mesmo na Internet.

F.R: Qual é o fotojornalista mais importante nesse momento agora?
E.C: Ai você me colocou em uma má situação risos. Eu vou citar três.
Tem um aqui em São Paulo chamado Maurício Lima, ele é fotógrafo da Agência France Press Brasil, outro que é o Antônio Gaudério que é da Folha de S.Paulo e tem um terceiro que é o André Cypriano que é um brasileiro que mora metade do tempo aqui e metade em NY, ele não está ligado a nenhum veículo, ele faz trabalhos independentes e vende reportagens geralmente publica em livro também.

F.R: Qual o papel da Agência Magnum no fotojornalismo por ela ter pautas livres e independentes?E.C: Ela cria na verdade uma linhagem mais humanística dentro do fotodocumentário, ela é uma agência ícone e que nos últimos anos ela conseguiu se renovar bastante com inclusão de novos fotógrafos como o Antoine Dagata, o Chris Andersen é uma nova geração tem o Alex Majoli também que é um italiano, você está me ouvindo?
F.R: Tô ouvindo, tô ouvindo rs
E.C: Ah ta, alguém ta me ligando aqui ta tocando o telefone, então assim ela é a agência mítica aonde todos os fotodocumentaristas sonham em trabalhar um dia mas agora em paralelo a elas começaram a existir outras agências interessantes como a seven e a vu, outras agências bem interessantes agora no Brasil a gente já teve algumas agências interessantes como a F4 na década de 80 e agora existe um outro coletivo de fotógrafos que é muito legal também e que eu tenho até trabalhado com eles que é a Cia de Foto, que meio que vai por esse caminho também.

F.R: O instante decisivo que foi teorizado pelo Bresson, você acha que ele é o elemento mais importante na fotografia jornalística?
E.C: Acho que hoje não mais, acho que é uma questão importante a coisa do flagrante de conseguir perceber o mundo de uma forma diferenciada, harmônica mas hoje em dia há fotógrafos fazendo trabalhos muito importantes, muito interessantes sem se utilizar desse recurso, acho que não é algo que ta pautando o mundo contemporâneo hoje não.

F.R: Qual que é o tipo de fotografia que mais te interessa dentro do fotojornalismo social, esporte, cultural, policial?
E.C: Quando eu tava fotografando na Folha eu gostava sempre de cobrir mais era cidades e cultura, mas cidades é o que mais me instiga porque é onde você fotografa o humano nas formas mais variadas é onde tem a temperatura da cidade, e é onde se trabalha mais com o acaso e com o inesperado também.

F.R: Qual sua opinião sobre fotógrafos de guerra, até que ponto é válido se arriscar para ter uma foto que vai ser capa de jornais?
E.C: Os caras que optam por essa profissão já tem ali algum DNA meio (risos) esquisito já não é gente muito normal como você por exemplo.
F.R: Como eu, porque eu rs?
E.C: Não porque geralmente assim já e gente que tem um perfil que gosta do inusitado, por exemplo, eu achava o máximo quando chegava no jornal e tinha assim um desfile de moda pra fazer e depois tinha uma enchente na cidade e eu tinha que ir pra favela fazer o barranco com gente soterrada e ai daqui a pouco tava num jogo de futebol, às vezes do seu time então você fica naquela coisa de torcedor e repórter, mas essa coisa da não rotina é algo que estimula muito agora por outro lado cobrir uma guerra você é meio assim o olho do mundo ali dentro, você tem a função social de revelar pro mundo as distorções que estão acontecendo ali os absurdos enfim né, então tem um certo heroísmo nisso também que eu acho que atrai muitas pessoas, agora com certeza é se colocar em risco mesmo, agora isso também é altamente estimulante por um lado. Obviamente que precisa ter um certo grau de loucura para gostar disso.
F.R: E é uma coisa que você nunca aceitaria?
E.C: Depende da guerra, depende do momento, sei lá, quando eu tava na Folha foi quando estourou a Guerra do Iraque e eu tive que escolher um fotógrafo da equipe pra mandar. E ai passei noites assim sem dormir imaginando que eu estava mandando alguém para o pelotão de fuzilamento (risadas), ai escolhi o fotógrafo, foi o Juca Varella e ele já tinha antes de haver a guerra, ele falou: O dia em que houver uma guerra, eu sonho em cobrir uma guerra, não sei o que.
Então eu tive uma grande discussão com toda equipe sobre quem gostaria de ir e quem não gostaria e muitos fotógrafos vieram falar que realmente não gostariam e outros ficaram chateados porque eu escolhi o Juca e não ele, agora assim a minha escolha do Juca não foi assim, eu falei olha: Existe a possibilidade de ir para uma guerra, queria que você conversasse com a sua família que você não me desse à resposta agora, pensasse em dez dias né. Ele disse: Não, não, não, não, não, não, eu vou, eu vou, eu vou. Quer dizer o cara já estava imbuído, e ele foi e fez uma grande cobertura, ficou famoso com isso, fez um livro, fez um belíssimo trabalho, foi reconhecido internacionalmente.
F.R: E não aconteceu nada com ele?
E.C: Não aconteceu nada, graças a Deus (risadas), até ele voltar eu ficava acordado apavorado, o telefone tocava eu tremia, aquelas coisas, porque a gente se sempre responsável pelo cara né? Queira ou não é uma coisa que eu ia carregar para o resto da vida, pô mandei o cara e o cara morreu.

F.R: Dentre os trabalhos que você fez, qual foi o que mais te marcou?
E.C: Olha tem um que foi muito marcante na minha vida que foi a cobertura do impeachment do Collor, eu cobri as passeatas dos cara pintada, você era criança (risadas).
F.R: É, eu era pequeno (mais risadas).
E.C: Mas essa inclusive foi uma cobertura que acabou gerando coisas muito boas na minha carreira, na época eu era repórter da Folha da Tarde, fotógrafo da Folha da Tarde e depois dessa cobertura eu fui promovido para a Folha de S.Paulo. Eu me envolvi mesmo, era uma coisa que eu queria, eu me sentia indo fotografar pra derrubar o governo sabe assim?
F.R: Sei, sei (risos).
E.C: É e de vez em quando você se pega assim em um romantismo e ser o cara que com uma foto vai conseguir mudar a sociedade sabe?
Por isso que eu fico muito puto com esse momento da imprensa em que a reportagem é tão mal cuidada, a fotografia é tão mal dada, você publica sua fotinho ali em duas coluninhas do lado de uma Gisele Bündchen em três colunas, quer dizer não pra concorrer. Mas esse romantismo assim a gente não pode perder nunca porque isso é aquilo que eu falei na aula para vocês lá quando eu falava do Lewis Hine aquela frase dele de: “Eu queria mostrar para o mundo as coisas que tinham que ser modificadas”, quer dizer se a gente perde isso a profissão fica muito chata, daí você vira um escriturário.